domingo, maio 16, 2004

Mais milhas para o povo

A GOL Linhas Aéreas tomou sólida bordoada do DAC depois de uma promoção relâmpago com dezenas de trechos a R$ 50,00. Eu, que tenho que fazer minha peregrinação toda semana, quase exultei não fosse a paralização dos servidores da empresa, lotados de sans culottes querendo trocar o pau d´arara por Boeings. Por pouco não consigo sequer a passagem por preço normal. Diz a Gol que foram vendidos 50000 (cinquenta mil) bilhetes nas três horas em que conseguiu fazer o suposto dumping antes do DAC acabar com o oba-oba. Isso é mais do que a Cyticol consegue vender de cueca de criança em uma semana, no saldão. Imagino o pesadelo de viajar com mais demanda do que oferta se a promoção continuasse. Em Congonhas, a filha adolescente se revolta e indica o ônibus do gate “h” para os pais. Quando o avião da donzela aterrisa em Salvador, o casal infeliz é comunicado que falta uma hora para chegar em Manaus. Um grupo de amigos de cidade de interior de longínquo estado da federação (isso inclui cerca de 40 pessoas) resolve viajar para o Rio ver um jogo do Vasco e ocupam todo o tempo do vôo com calorosas discussões, espalhando o pânico na aeronave, até o momento em que, não suportando o próprio enjôo, começam a passar mal. Nisso, passageiros que ainda vão para Brasília pedem para morrer. Mas nem tudo é desgraça numa promoção de R$ 50,00 porque temos as crianças, ah, as crianças. A professora caridosa de escola do interior de XX resolve, com a ajuda da comunidade, prefeito e vereadores comprar passagens para toda a turminha da 4ª série saber como é um avião e como o “bicho avoa”. Repórteres do Jornal Hoje vão junto para perguntar às crianças “como elas se sentem”. No momento do embarque, o gordinho da turma entra em pânico e tem que ser socado para dentro da cabine com o auxílio do pessoal de terra, dos coleguinhas e dos passageiros que pegarão conexão para Brasília, que pedem para que o suplício seja rápido. Lá dentro, os pimpolhos se deparam com os vascaínos remanescentes do vôo anterior. Na época em que uma família tinha que penhorar as jóias da vovó para viajar de avião, existiam paliativos psicológicos como o tal Variguinho, que tinha até uma revistinha para acalmar as crianças, além de um jantar que em vôos curtos era retirado da boca do cliente para não melar a aeronave na aterrisagem. Toda essa balbúrdia da tal promoção da Gol, além da resposta intervencionista do DAC mostra que a choldra ainda tem esperança de ter uma rede aérea com custos razoáveis no Brasil. Os vascaínos entupindo a cabine são fruto da escolha histórica de inviabilizarmos qualquer meio de transporte coletivo , seja pelos altos preços dos vôos, seja pela instituição do desconforto das estradas. Enquanto viajar for uma opção entre o luxo e o suplício, corro o risco de ter que socar moleques para dentro da aeronave no próximo queimão.