domingo, setembro 12, 2004

A Idade das Trevas

Eu odeio a galera. Tudo desaba sob seu jugo, fundamento de toda perversão, de todo fracasso, de todo erro. Ninguém deveria seguir a galera, pois na galera caminha-se para a morte. Caminha-se para lugar nenhum, melhor dizendo, com a galera, sequer se caminha, pois não há destino algum. A galera fede, a galera ri, a galera dança, a galera é um nojo. Desde a gênese dos erros humanos, está lá a galera: o retrato do mal no início dos Tempos. Não à toa, a galera foi uma das mais infames das penas, pois os sórdidos, os ladrões, os bandoleiros eram condenados a remar em galeras, que eram movidas também pelo vento, mas para garantir a dor da punição, empregava remos movidos por aquilo que se resolveu chamar, séculos depois, de galera. Não mais um barco, um simples barco, mas um bando de degredados que se junta para compartilhar a humilhação comum de remar por toda a eternidade, e que séculos mais tarde irá errar pelas cidades, becos, puteiros, tribunais e madrugadas, sob o nome geral e consagrado de galera. E hoje, nessa condição, a galera manda. Por isso a escória, para ser escória, vai se encontrar com a galera. Por isso é que se ama, loucamente, a galera. Por isso é que a galera está na área, e quando a galera manda é melhor tomar cuidado, esconder-se, fugir para bem longe. A galera não tem rumo. Há séculos, milênios, galera alguma teve rumo, senão por via de condenação judicial. Hoje a galera anda solta, livre, crescendo livremente num ritmo solto e alucinante. Todo mundo quer entrar para a galera e eu não, eu quero fugir, porque sei o perigo que me aguarda diante da galera que cresce cada vez mais, que cada vez mais rola morro abaixo feito uma avalanche, destruindo tudo pela frente. Essa é a galera, da qual ninguém tem medo, só eu tenho medo, mas que hoje todos querem pertencer. Quem não é da galera, diz a galera, não sabe o que está perdendo, mas eu sei, sei bem, que a galera tem duas caras, aliás, não tem cara alguma porque tem todas as caras e está em todos os lugares, ameaçando a vida, a beleza, a harmonia do mundo. Se eu pudesse, pegava uma arma e investia contra a galera, essa praga, antes que a galera me destruísse, mas não posso porque nunca se derrota a galera, porque com a galera ninguém pode. Posso apenas orar pelos infelizes que vão lá, felizes, encontrar com a galera, rumo à danação. É o que explica, a meu ver, todas as desgraças do mundo.