segunda-feira, setembro 20, 2004

A FUMAÇA DO BOM DIREITO

PRESSÃO ALTA. CINQUENTA E SEIS SEGUNDOS.
Lançar em DVD uma bosta como “Extermínio” pode. Fumar não. Fazer anúncio no jornal contratando moças para futura exploração de lenocínio também pode. Fumar não. Assistir “Olga” é preciso. Fumar não. Pode-se comprar e ler, sem intervenção do poder público, o catálogo da exposição Polaroides, de Warhol, mas fazer isso fumando é proibido. Fumar você não pode. Cachimbo também não, pois a vida precisa ser triste e amarga. A chatíssima paranóia anti-tabagista provocou um câncer social e faz padecer até mesmo os adeptos do cachimbo. Alastrou-se nas instituições. Está nos clubes, bares, corridas de fórmula um, barbearias e até em locais próprios para fumantes, onde também se proíbe fumar. Cachimbo inclusive, bem entendido, para desgraça daqueles que não podem partilhar com um cachorro os momentos de reflexão mais íntima ou não conseguem fazê-lo num vaso sanitário.

PRESSÃO ALTA. VINTE E TRÊS MINUTOS.
É mais fácil encontrar sites ou anúncios fornecendo instruções para ataques terroristas, cooptando membros para milícias de extrema-direita ou promovendo a pirataria do que encontrar uma loja on line que venda inofensivos cachimbos. Por algum motivo, certamente ligado à assepsia smoke-free, os cachimbos desapareceram da Internet nacional para venda on-line. Escreva para alguma loja, via e-mail, perguntando pelo último catálogo da Peterson e logo militantes anti-bush e defensores dos direitos humanos estarão à sua porta buscando explicações para o uso, em pleno novo milênio, desse um artefato bárbaro e poluidor.

PRESSÃO ALTA. TRINTA E UM MINUTOS E DOIS SEGUNDOS.
O governo manda imprimir, atrás dos pacotes de tabaco, fotos representando as conseqüências extremas da escolha do vício. Crianças intoxicadas, corpos abertos em cirurgias, fetos apodrecendo, pulmões em chamas, almas danando no inferno, Jean-Paul Sartre mostrando os dentes e rindo. Comunica-se ao estúpido adepto do cachimbo que até ele terá que pagar caro pelos momentos até então impunes de prazer. Os que podem comprar Cohibas em breve terão que passar pelo constrangimento de exibir em público o charutão com essas atrocidades impressas em toda sua cheirosa superfície.

PRESSÃO ALTA. TRINTA E QUATRO MINUTOS E OITO SEGUNDOS.
Se o mundo fosse perfeito, o Ministério da Saúde faria um pouco mais de justiça com as demais futilidades modernas cujo uso, supõe-se, conduz à morte. Perdeu a chance, por exemplo, de precaver os pais das futuras seqüelas que acarretarão os filmes da série Harry Porter. Um sujeito com ar de palerma, cabelos em desalinho e sorvete de creme colado na cabeça. Embaixo, escrito “O Ministério de Saúde Adverte: O consumo desse filme provoca retardo mental a longo prazo”. Essa ameaça daria conta de sérios problemas de saúde coletiva. As mostras que fazem o Paço Imperial do Rio de Janeiro enquadrar-se numa coisa entre canteiro de obras e hospital psiquiátrico deveriam também ter, todas, advertências espalhadas em cada montagem, até para evitar que o transeunte/cidadão fique parado horas admirando a tomada na parede esperando interagir com a arte. Todas as seções de auto-ajuda de cada livraria desse país seriam precedidas por rigorosas admoestações quanto ao uso de produtos desse calibre e perigo. As vendas de “Quem mexeu no meu queijo”, com suas variações (Quem mexeu no meu queijo para jovens, para pais. para executivos, para contadores, para fracassados, para idiotas etc) seriam proibidas em todo o país. “A arte da guerra” se tornaria apenas mais um clássico oriental que não serve para nada. O mundo seria melhor. Eu fumaria em paz.